domingo, 17 de abril de 2005

A Campanha Salarial 2005 dos servidores públicos federais

Não se pode ir à batalha sem portar uma bandeira. E na batalha que se avizinha, a Campanha Salarial dos Servidores Públicos Federais 2005 por reajuste de salários e para garantir uma política salarial que os defenda da inflação, o movimento sindical não possui até agora uma bandeira, um eixo de sua luta econômica.

Tendo sido eleito pela Assembléia de 10 de março do Núcleo Chile como observador para as plenárias do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE - ASSIBGE-SN e da Coordenação de Entidades do Serviço Federal - CNESF - que se realizaram em Brasília em 14 e 15 de março, meu objetivo neste artigo é divulgar as informações que obtive e realizar algumas reflexões sobre a tentativa de construção de um movimento unitário dos servidores públicos em defesa dos salários da categoria.

A principal reflexão, contudo, ainda está diante de nós: qual deve ser o eixo econômico do movimento?

Escrevi esse artigo procurando qualificar a discussão do movimento sindical ibegeano. Se consegui atingir a meta ou não, o fato é que o artigo é razoavelmente longo. Peço desculpas por isso, mas creio não ter gasto palavras em vão visando analisar a questão no nível de detalhe que sua importância merece. Afinal, se lemos e escrevemos longos textos que se aprofundam nos problemas que enfrentamos enquanto profissionais do IBGE, devemos adotar o mesmo comportamento diante de questões tão importante quanto nossas reivindicações político-sindicais.

O presente texto não aborda questões referentes ao Fórum de Ciência e Tecnologia, uma vez que as entidades de tal Fórum não participam desse movimento unificador. Isso não significa que consideramos o Fórum de C&T desimportante. Ao contrário, em breve estaremos enviando um segundo artigo, no qual tentaremos debater especificamente os problemas que teremos que enfrentar em relação a tal Fórum.

A Campanha Salarial 2005 já se iniciou

A CNESF [1] - como seu nome afirma, é uma instância que coordena a ação político-sindical de confederações, federações e sindicatos dos servidores públicos federais os quais estão somando forças na Campanha Salarial Unificada de 2005.

O lançamento dessa campanha ocorreu em Brasília , na tarde do dia 15 de março, quando a CNESF organizou uma passeata de 2.000 servidores de todo o Brasil na Esplanada do Planalto, ao final da qual, em Ato Público, foi entregue ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão um documento contendo os princípios que norteiam a pauta de reivindicações da categoria.

Tais princípios, aprovados durante a manhã do mesmo dia, na Plenária de Delegados da CNESF, que reuniu 277 delegados e 52 observadores eleitos em assembléia de base em todo o país, são os seguintes:

· Rejeição do "reajuste" linear de 0,1% recentemente assinado por Lula da Silva;

· Definição de uma Política Salarial que venha a corrigir as distorções e que reponha as perdas salariais acumuladas pelos servidores desde janeiro de 1995 até abril de 2005;

· Diretrizes para os planos de carreira das categorias;

· Paridade entre ativos, aposentados e pensionistas;

· Instituição do salário mínimo calculado pelo DIEESE como piso salarial dos servidores públicos;

· Realização de concursos públicos em todas as áreas, visando repor o quantitativo de pessoal necessário a um serviço público de qualidade;

· Reconstrução do serviço público, com a liberação das verbas necessárias para tal;

· Rejeição da "Reforma" Sindical elaborada pelo Fórum Nacional do Trabalho (entidade constituída pelo governo, por representantes do empresariado, pela CUT e pela Força Sindical) recentemente enviado pelo governo ao Congresso Nacional.

Qual deve ser nosso eixo econômico de luta?

Além de aprovar tais princípios, a Plenária de Delegados da CNESF deliberou que as assembléias de base dos sindicatos devem discutir e deliberar nosso eixo econômico de luta, elegendo delegados para a próxima plenária de 17 de abril do corrente, quando tal questão será deliberada pelo movimento em nível nacional.

A pergunta a ser respondida pela base do movimento é: qual deve ser o índice de reajuste linear que os servidores públicos irão reivindicar ao governo Lula da Silva? Existem duas propostas para tal índice: 18% e 61,75%. Cada uma possui um sério significado político e a escolha correta não será indiferente ao sucesso do movimento:

· 18% é o percentual médio necessário para recompor as perdas salariais decorrentes da inflação dos dois anos que decorreram desde que Lula da Silva chegou ao poder;

· 61,75%, por outro lado, corresponde à recomposição das perdas salariais médias desde 1998, quando uma súmula promulgada pelo Supremo Tribunal Federal - SPF - instituiu o mês de janeiro como data base para a categoria, obrigando o governo a conceder reajustes anuais aos servidores.

Ambos os índices se referem a perdas médias porque as perdas não são iguais para todas as categorias e mesmo dentro de algumas categorias as perdas são diferentes. Além disso, nenhum dos dois índices cobre as perdas históricas do funcionalismo público, que se acumulam desde 1995 e exigiriam um índice de reajuste linear de 144% para serem sanadas.

Defendemos nesse artigo que 18% de reajuste linear é a melhor proposta para o eixo econômico de luta, pelas razões que exporemos detalhadamente a seguir.

Alguns dados para se compreender essa discussão

Lula da Silva assinou um "reajuste" linear de 0,1%, e seu governo informou toda a sociedade que em tal "reajuste" serão gastos um total de 72,3 milhões de reais. De posse dessa informação, podemos inferir, através de uma regra de três simples [2], os custos aproximados de ambos os índices apresentados. Reivindicar 18% de reajuste linear significa exigir que aproximadamente 13 bilhões de reais sejam destinados à recomposição salarial dos servidores no atual orçamento da União. Reivindicar 61,75%, por outro lado, significa exigir aproximadamente 45 bilhões. Se exigíssemos o saneamento de todas as perdas, reivindicando 144%, finalmente, o montante necessário seria de 104 bilhões de reais.

Reivindicar um dado índice, assim, significa reivindicar que um dado montante em bilhões de reais seja remanejado do orçamento federal. Seja um aporte de 13 bilhões, decorrentes dos 18%, seja um aporte de 45 bilhões, correspondentes ao índice de 61,75%, seja o montante de 104 bilhões que sanaria as perdas históricas de 144%, estaremos reivindicando que o orçamento seja refeito na prática.

Uma pergunta, portanto, necessita ser bem compreendida pelo conjunto dos servidores, uma vez que teremos que explicar sua resposta para o povo brasileiro se quisermos construir uma chance de vitória em nossa luta: de onde virá esse dinheiro?

Lula da Silva argumenta que "não há dinheiro" nem para recompor nossos salários nem para garantir a reconstrução do serviço público. Os dados do próprio governo, contudo, comprovam que mais uma vez o Presidente da República está mentindo. Como provaremos a seguir, há dinheiro de impostos mais do que suficiente nas mãos do Tesouro Nacional. O problema se resume ao destino que é dado ao conteúdo do cofre cuja chave está em mãos de Palocci e Meireles.

De onde virá o dinheiro? A questão do Superávit Primário.

Todos já ouviram pela boca do casal de atores que apresenta o "Jornal Nacional" que o superávit primário do Brasil vai muito bem, obrigado. Em 2003, atingimos 66 bilhões de reais. Em 2004, chegamos a 81 bilhões [3]. E em janeiro do corrente, o "superávit primário" foi de 11,4 bilhões de reais, coisa que permite uma projeção grosseira de 137 bilhões de reais em 2005 [4]. Mas o que é o tal superávit primário?

Superávit primário é o excedente de arrecadação de impostos e taxas frente ao total de gastos governamentais com pessoal, manutenção e investimentos. Tudo o que chega às mãos do governo menos tudo o que é gasto, excluindo-se os custos financeiros, o pagamento de juros dos títulos públicos brasileiros. A própria definição do termo já aponta para onde vai tal excesso de arrecadação. De acordo com a política econômica de Lula da Silva, todo esse montante é destinado ao pagamento de juros dos títulos da dívida pública ao capital financeiro imperialista.

Uma rápida comparação revela o significado dos montantes do superávit primário. O "AeroLula" - que tanta indignação causou à imprensa e à oposição burguesa - custou aos cofres públicos 57 milhões de reais. O excedente de arrecadação de impostos em janeiro de 2005 representa portanto 200 "AeroLulas" [ 5]. Anualizando, temos 2.400 "AeroLulas" [6]. No caso do avião presidencial o Brasil entregou 57 milhões mas recebeu em troca um determinado produto, que passou a ser propriedade do Estado brasileiro. Isso foi considerado - não sem razão, dado o excessivo luxo da aeronave - um escândalo nacional. Mas nem a imprensa nem qualquer político da oposição burguesa considera um escândalo o fato do Brasil entregar ao capital financeiro imperialista, todo mês, o dinheiro correspondente a 200 "AeroLulas" e não receber nenhum bem de consumo durável, nenhuma mercadoria, nada, absolutamente nada em troca!

Reivindicar 18% de reajuste linear, assim, significa exigir que 10% dos impostos que a população pagará a mais em relação aos gastos governamentais em 2005 seja destinado à recomposição salarial dos servidores [7]. Exigir 61,75%, por outro lado, significa reivindicar 33% do superávit primário previsto para 2005 [8]. E se exigíssemos 144%, seria necessário 76% do excedente de impostos para sanar completamente as perdas históricas do funcionalismo [9].

Como explicar nossa demanda para a população?

O diálogo que nós servidores públicos devemos travar com a população não pode se limitar à divulgação do índice de reajuste linear que reivindicamos. Devemos explicar:

· Porque o reajuste linear dos salários dos servidores é uma proposta justa;

· Porque o índice de reajuste que reivindicamos é justo;

· Qual será o montante de dinheiro necessário para o reajuste;

· Qual deve ser a origem desse dinheiro.

O fato do próprio Presidente da República ter declarado no início de seu governo que não iria permitir uma corrosão ainda maior de nossos salários pela inflação é um argumento a nosso favor. Afinal, queremos garantir que a inflação não mais irá corroer nossos salários, havendo anualmente, no dia primeiro de janeiro, um reajuste salarial linear que recomponha o poder de compra do conjunto das categorias. Assim, embora nossas perdas históricas totais sejam de 144%, reivindicaremos de imediato apenas 18%, a reposição as perdas ocorridas durante os dois anos de Lula da Silva.

Segundo os burocratas governamentais, por outro lado, a concessão de reajustes lineares "aprofundam" as diferenças salariais entre os servidores. Assim, o Secretário de Recursos Humanos afirmou recentemente, através do boletim "Contato", distribuído para toda a categoria, que em 2003 e 2004 houve correção de distorções originadas anteriormente à eleição de Lula da Silva, de forma a privilegiar os salários mais baixos.

Embora não nos esqueçamos das distorções passadas, chamamos a atenção de que a maior distorção dos salários é a perda do poder aquisitivo dos mesmos diante da inflação. A base para a correção de todas as distorções, portanto, só pode ser a recomposição dos salários de todos ao poder de compra que tinham quando Lula da Silva tomou posse. Queremos, portanto, um reajuste linear de 18%, uma vez que em 2003 tivemos apenas 1% de reajuste e que em 2004 não houve reajuste.

Tal reajuste de 18% significará um custo de 13 bilhões de reais. A origem do dinheiro será o excesso de impostos que a União irá arrecadar em 2005 face aos seus gastos totais. Reivindicamos que 10% desse superávit primário seja destinado à nossa recomposição salarial.

Quanto às demais perdas, ocorridas nos dois governos de FHC, reivindicaremos que seja aprovado um calendário de reposições até o final do mandato de Lula da Silva. A reivindicação de um reajuste linear de 18% é justa e bastante modesta, portanto. Afinal, para que deve servir o dinheiro dos impostos arrecadados pelo Estado? Se serão arrecadados a mais 137 bilhões de reais em 2005, o que deverá ser feito com esse excedente?

Fazer dívida para pagar juros ou reajustar os salários dos servidores?

Lula da Silva afirmou em cadeia nacional que o Brasil não mais estará cumprindo o receituário do Fundo Monetário Internacional - FMI. Essa é a oportunidade que o servidor público terá para levantar coletivamente uma questão bastante séria sobre a política econômica governamental.
Referimo-nos ao montante de 13 bilhões de reais necessários para o reajuste linear de 18% no serviço público. Já que nada mais nos prende ao FMI, segundo o próprio Presidente da República, por que motivo esse montante deve ser entregue gratuitamente ao capital financeiro imperialista? Irá o presidente eleito cumprir o prometido no início de seu mandato ou temerá que o deus "Mercado" fique zangado e envie o caos econômico sobre a vida dos brasileiros?

O fato é que o deus "Mercado" está muito feliz com os brasileiros. Se nos últimos dez anos o país gastou 710 bilhões de reais em pagamentos de juros da dívida pública, a própria dívida aumentou de 208 bilhões de reais para os atuais 810 bilhões [10]. O Brasil pagou 3,4 vezes o que devia e hoje deve 3,9 vezes mais!

Isso aconteceu porque embora o governo gaste todo o superávit primário para pagar os juros da dívida pública, ainda ficam faltando juros para serem pagos, de forma que sempre é necessário contratar mais dívida para pagar os juros da dívida. Em 2004, por exemplo, o superávit primário de 81 bilhões de reais (4,6% do PIB, que é a soma das riquezas produzidas pelo país no ano) não foi suficiente para pagar os juros da dívida, que somaram 128 bilhões e o Brasil necessitou contratar mais 47 bilhões de dívida para completar a diferença! E para encontrar compradores a tais 47 bilhões de reais em títulos da dívida publica brasileira, o governo teve que aumentar a taxa de juro básica da economia, coisa que aumenta tanto o montante da dívida pública como o montante dos juros pagos ao deus "Mercado".

Conclusão: a dívida é feita para pagar os juros da dívida. E para fazer mais dívida, o governo necessita aumentar a taxa de juros, coisa que aumenta tanto a dívida como os juros! O ciclo de endividamento é ascendente e não é difícil prever onde a situação irá terminar. É a felicidade do deus "Mercado", e não sua zanga, que está trazendo o caos para o país.

Nós servidores públicos explicaremos à população que exigimos de Lula da Silva apenas 10% do total de impostos arrecadados a mais em 2005 sejam utilizados para sanar as perdas salariais que tivemos desde que o Presidente tomou posse, ou seja, reivindicamos que 13 bilhões de reais sejam distribuídos em um reforço linear dos salários base do funcionalismo.

Afirmaremos que se tal dinheiro for cedido em troca de nada aos bancos imperialistas, servirá apenas para financiar mais guerras e agressões. Se o Presidente da República, por outro lado, cumprir o que prometeu no início de seu governo e nossos salários forem recompostos, haverá um aporte de 13 bilhões de reais à economia interna, com tudo o que isso significa em termos de criação de emprego e renda para as classes trabalhadoras.

Esse será um questionamento à política econômica do governo que não será feito de uma forma teórica mas bastante real. O funcionalismo público só poderá almejar uma vitória em sua luta se conseguir compreender o alcance de tal questionamento e conseguir explicá-lo didaticamente para os mais amplos setores da população brasileira.

Qual é a correlação de forças entre os servidores e o governo federal?

Se construir a luta unificada dos servidores públicos por 18% de reajuste linear é disputar o destino de 10% do superávit primário de 2005, porque não lutar logo de uma vez por 61,75% de reajuste linear, correspondente às perdas acumuladas desde 1998, ano em que o Supremo Tribunal Federal editou uma súmula estabelecendo janeiro como data base para a recomposição salarial dos servidores, ou então por 144%, índice que sanaria as perdas somadas de Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso?

O eixo econômico de nosso movimento é uma questão tática. Um erro em tal tática, no entanto, pode significar a derrota de toda a estratégia de luta do funcionalismo público, de onde a escolha da tática correta possui uma grande importância estratégica. A decisão de qual é a melhor tática tem que ser feita a partir de uma análise da correlação de forças entre o funcionalismo publico e o governo federal.

É bem verdade que para as direções governistas do movimento nunca há correlação de forças para se fazer nada. Mas isso não pode nos impedir de analisar a correlação de forças como base para traçarmos uma política que a venha modificar em nosso proveito. A correlação de forças entre os servidores públicos e o governo federal é a expressão, principalmente, de fatores subjetivos tais como:

· A compreensão do funcionalismo público de quais são os objetivos de nossa luta e de que tais objetivos são justos e factíveis;

· A disposição das diversas categorias para lutar por tais objetivos;

· A confiança dos servidores nas próprias forças organizadas, ou seja, na força de suas entidades sindicais, a confiança nos dirigentes de tais organizações;

· A compreensão da necessidade de unificação das categorias; a confiança na capacidade de fazê-lo e a disposição para tal;

· A compreensão dos obstáculos e armadilhas que os governistas constróem no processo e de como tais podem ser superados;

· A capacidade de diálogo político com a população, ou seja, a capacidade da categoria explicar para a população qual é nossa luta e porque ela é justa.

Tais fatores subjetivos devem ser analisados em termos do conjunto dos servidores e não apenas de sua vanguarda. Mais do que isso, se a correlação de forças depende essencialmente desses fatores subjetivos, ligados ao que vai pela mente dos servidores públicos, essa subjetividade dependem por sua vez do balanço político e econômico objetivo das lutas anteriores do funcionalismo público. A relação entre consciência e existência é dialética mas, ao final, é a existência que determina a consciência.

Assim, para analisar a correlação de forças entre os servidores públicos e o governo federal temos que partir do balanço da campanha salarial de 2004 e da greve geral contra a "Reforma" da Previdência em 2003.

O balanço das lutas em 2003 e 2004 e a atual correlação de forças

Na greve geral contra a "Reforma" da Previdência em 2003, tivemos uma vitória política mas uma derrota econômica. A greve foi politicamente vitoriosa pois colocou em cheque o verdadeiro caráter do governo que o funcionalismo público recentemente havia ajudado a eleger. Outra máscara que caiu por terra foi a da direção majoritária da CUT, coisa que permitiu o início de sua superação pelo movimento sindical e popular. Mas tal vitória política veio ao lado de uma derrota econômica, uma vez que a "reforma" acabou sendo aprovada pelo congresso, embora numa versão mais mitigada que a original. A derrota econômica somente não foi maior porque houve uma vitória política, e a aprovação da "PEC paralela" é uma comprovação disso. Assim, o resultado global da greve foi contraditório. Se os servidores públicos se aperceberam que o governo recém eleito havia traído sua confiança e que somente a luta organizada pode garantir vitórias efetivas, ficou também na memória o fato da categoria não ter tido força suficiente para derrotar os traidores.

Além disso, a categoria foi educada durante vinte anos a acreditar que a eleição de Lula da Silva significaria ao menos o início de uma mudança positiva em sua situação, através da transformação do aparelho de Estado que iria ser operada pelo Partido dos Trabalhadores. Quando ficou revelado que o contrário havia ocorrido, o aparelho de Estado havia corrompido completamente o partido que deveria ser o agente de sua transformação e que, portanto, não haveria transformação mas apenas a continuidade piorada, um sentimento de frustração e perda de auto-estima veio junto com o sentimento de revolta e indignação.

Além do mais, sendo Lula da Silva o ícone de onde poderia chegar o movimento sindical e político dos trabalhadores, a pecha de sua traição espalhou-se sobre todo o movimento político e sindical, na forma de um descrédito nas instituições políticas e sindicais em geral.

Já o balanço global da campanha salarial de 2004 é o de que sofremos uma derrota política e econômica. O eixo econômico de luta não teve força suficiente para garantir a unidade. O governo e seus aliado cutistas nas diversas categorias conseguiram impor a divisão do movimento, derrotando-o politicamente, e as negociações em separado significaram derrotas econômicas parciais. Se a derrota global aprofundou a experiência de setores da vanguarda militante e inclusive de parcelas significativas da categoria com as direções cutistas governistas, acarretaram também um dado nível de desmoralização, desconfiança nas próprias forças organizadas, ou nas entidades sindicais e confusão quanto aos diversos sujeitos políticos no movimento. A derrota de 2004, assim, não foi absoluta, teve efeitos contraditórios mas não deixou de ser uma derrota.

No IBGE, em particular, iniciamos em 2004 uma greve pelo eixo de reajuste linear deliberado pela CNESF mas a implosão da greve nacional nos empurrou para a negociação da pauta do Fórum de C&T. O montante que arrancamos do governo por força da greve foi repartido segundo os critérios das entidades desse fórum e o reajuste linear simplesmente desapareceu da pauta. Ao final, depois de uma enervante enrolação, de seguidos vais e vens, a proposta fechada privilegiou os setores da categoria que já possuíam os salários mais altos, sendo que a greve fora bancada principalmente pelos setores que possuíam os salários mais baixos. Pior de tudo, o movimento não conseguiu reunir consenso suficiente nem para marcar a data de sair da greve, o que deixou a categoria à descoberto para a punição da Instituição, coisa que se deu, no Rio de Janeiro, pelo trabalho aos sábados.

Como alterar a nosso favor a correlação de forças?

Reconhecer que a categoria passou vinte anos iludida com a falácia da transformação social pela via das eleições e que o processo de desilusão trouxe consigo descrédito ao movimento sindical como um todo, que tivemos uma vitória política mas uma derrota econômica contra a "Reforma" da Previdência 2003 e que fomos derrotados política e economicamente na Campanha Salarial 2004 pode fazer mal ao ego de alguns companheiros dirigentes sindicais. Mas não reconhecer o óbvio somente atrapalha o esforço coletivo que devemos fazer para reverter a situação.
Escolher o índice de 18%, correspondente às perdas durante o governo Lula da Silva, assim, nos parece a opção mais condizente com uma política que leve à reversão da atual correlação de forças, no sentido de garantir que o conjunto do funcionalismo federal compreenda a justeza da reivindicação, assuma-a como sua e considere possível uma vitória na luta. De Lula da Silva, reivindicaremos as perdas ocorridas durante seu governo. A origem do dinheiro deve ser o excedente de impostos arrecadados, o superávit primário.

Se superestimarmos as forças que realmente possuímos, isso acarretará o isolamento e derrota do movimento e, portanto, uma involução da correlação de forças. O índice de 61,75%, correspondente às perdas desde que a data base foi instituída por súmula do Supremo Tribunal Federal, acarretando 45 bilhões de reais ou 33% do superávit primário projetado para 2005, nos parece ser superior ao que o conjunto dos servidores públicos se julgaria capaz de conquistar.

Os defensores do índice de 61,75% poderão argumentar que seria uma pauta rebaixada nos limitarmos a exigir de imediato apenas o que o próprio Lula da Silva afirmou que faria no início de seu governo. Ocorre que esse índice também não cobre o total das perdas, que remonta a 144%. De toda forma, estaríamos nos curvando ao fato de que será impossível recompor de imediato todas as perdas que a categoria teve.

Além disso, 13 bilhões de reais ou 10% do superávit primário anualizado certamente não é algo rebaixado. Se conquistássemos metade disso, 9%, 6,5 bilhões ou 5% do superávit primário já poderíamos cantar vitória, considerando que Lula da Silva está disponibilizando apenas 1,4 bilhões de reais para sua manobra divisionista de "negociações em separado" e considerando também o significado de uma quebra na política de reajuste zero de Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva.

Ademais, ninguém está propondo esquecer as perdas históricas. Reivindicamos uma Política Salarial, ou um cronograma para que a recomposição dos salários ocorra até o final do mandato de Lula da Silva. Esse ponto de princípio já foi aprovado em nossa pauta de reivindicações.
Reivindicar 18% de reajuste linear, além disso, trará aos servidores públicos a vantagem de limitar o debate com a população à discussão ao Brasil de Lula da Silva, evitando quaisquer confusões oriundas de falsas questões como a tal "herança maldita". Os políticos do PT não poderão lançar mão de sua manobra favorita: culpar Fernando Henrique Cardoso pela situação ruim e concretizar propostas que pioram ainda mais as coisas. Embora seja teoricamente tão justo quanto o índice de 144% que recompõe as perdas históricas, o índice de 61,75% aparecerá para a população como algo "demais" e ficaríamos expostos à confusão advinda das acusações de mídia de que nosso movimento seria meramente "político", visando desgastar a imagem de Lula da Silva para as eleições de 2006.

Por tudo isso, propomos que as Assembléias de Núcleos da ASSIBGE-SN aprovem 18% de reajuste linear como o eixo econômico de nossa luta.

Notas

[1.] As entidades que coordenam sua ação na CNESF são: ASSIBGE-SN, ANDES-SN, CONDSEF, FASUBRA, FENAFISP, FENAJUFE, FENASPS, SINASEFE e UNAFISCO

[2.] A estrutura de cálculo dos contracheques pode ser modelada pela assim chamada álgebra linear, de onde pode-se provar que o cálculo através de uma regra de três simples é bastante aproximado. Temos:

(18% / 0,1%) x 72,3 milhões = 13 bilhões (61,75% / 0,1%) x 72,3 milhões = 45 bilhões.

[3.] Dados do Banco Central do Brasil

[4.] Anualizando o mês de janeiro temos 11,4 bilhões x 12 = 137 bilhões. O cálculo é grosseiro porque supõe que janeiro seria um mês médio em termos de superávit primário, coisa que não é verdade. Mas a ordem de grandeza é correta.

[5.] O cálculo é simples: 11,4 bilhão / 57 milhões = 200

[6.] Simplesmente 200 x 12 = 2.400

[7.] Basta fazer 13 bilhões / 137 bilhões x 100% = 9,5% 10% A aproximação se justifica porque o cálculo do montante estimado de 137 bilhões é muito aproximado.

[8.] Analogamente, 45 bilhões / 137 bilhões x 100% = 33%

[9.] 104 bilhões / 137 bilhões x 100% = 76%

[10.] Jornal do Brasil, 21 de março de 2005, pág A17