Política Econômica e Corrupção
Setembro 2005
Falar de economia brasileira é descrever a luta desigual entre os brasileiros, que se esforçam por produzir, e as políticas, implacáveis em arrastá-los para a miséria. A política econômica mais absurda do Mundo tem sido adotada pelo Executivo e aprovada no Poder Legislativo, enquanto arruína o tecido social do País de forma manifesta.
Se houvesse respeito pela verdade e pela lógica, todos veriam aí uma contradição flagrante. Não estaria aí uma pista para o fato de grande parte dos votos de aprovação a essa política ser obtida por meio de estipêndios mensais e outras modalidades de suborno?
Juros
O Banco Central determina juros absurdamente altos, para exclusivo benefício dos concentradores financeiros, e a capitalização de parte desses juros elevou o estoque da dívida pública e seu serviço a níveis insuportáveis.
As “autoridades monetárias” asseguram mercado para os capitais especulativos, não só lançando títulos de dívida, mas oferecendo as taxas de juros mais altas do Mundo. Assim, tais “autoridades” convidam capitais estrangeiros a auferir ganhos com que nem sonham em outras partes do Mundo. A taxa SELIC beira 20% ao ano. Com 15% ao ano em termos reais, ela é um múltiplo indecoroso das taxas de títulos públicos dos outros países.
Apreciação cambial
O dano causado por esses juros não se limita ao efeito direto no “serviço da dívida pública”. Um efeito colateral, também muito grave, é a apreciação da taxa de câmbio do real, tal como nos primeiros anos de outra fraude denominada plano real.
Nos últimos dez meses, a moeda nacional apreciou-se em nada menos que 35%, em função dos juros exorbitantes e dos saldos positivos no balanço de transações correntes com o exterior.
Essa valorização do real implica sentença de morte para dezenas de milhares de empresas que dependem de preços competitivos para produzir e exportar, e o desaparecimento de milhões de empregos.
Propagação da miséria
Os saldos externos, por sua vez, decorrem da repressão à demanda interna, causada pelas próprias taxas de juros proibitivas para o investimento e para a produção. A essas taxas está ligado o crescimento da carga tributária, bem como o aperto fiscal, i.e., o corte de gastos que não sejam “serviço da dívida”.
Em outros termos, as políticas monetária e fiscal são os agentes patológicos transmissores da penúria que obriga os produtores a se voltar para as exportações. Tão radical é a política de expansão da miséria que, mesmo com a taxa de câmbio supervalorizada, a falta de demanda interna viabiliza o incremento das vendas externas e limita o crescimento das importações.
Economia periférica de exportação
Mas as exportações que crescem muito são as intensivas de recursos naturais, à custa da dilapidação destes: há a perda dos recursos não renováveis, como os minérios, e o desgaste dos solos, o desperdício e a poluição dos recursos hídricos, em função do negócio agropecuário. Isso sem falar no desfrute de mão de obra mal paga e pouco qualificada.
Para ilustrar como esse modelo inviabiliza o desenvolvimento econômico e tecnológico, compare-se as patentes brasileiras e as da Coréia do Sul registradas no escritório dos EUA, o mais ativo do mundo. Enquanto as nossas patentes aumentaram de 53, em 1980, para 130, em 2003, as sul-coreanas saltaram de 33 para 3.944.
O Brasil tinha, em 2003, 34 mil doutores em atividade. Isso é muito pouco para um país com as nossas dimensões e que pretende desenvolver-se. Ao mesmo tempo, como aqui se adotou o modelo dependente, trata-se de um desperdício. Com efeito, a demanda por tecnologia é ínfima, em conseqüência de a indústria estar sob controle de empresas transnacionais, e estas empregarem tecnologias desenvolvidas na matriz.
Por cúmulo, fazem-nos gastar bilhões de dólares em royalties por um uso dessas tecnologias que só aproveita às próprias transnacionais. A exploração desbragada dos recursos naturais explica o paradoxo de haver saldos de comércio exterior, mesmo com a continuação da tradicional prática de importar caro e exportar barato, a clássica “transfer pricing”, ou seja, os preços de transferência praticados principalmente pelas empresas transnacionais.
Paraíso da agiotagem
Combinada com os juros, a valorização do real proporcionou aos especuladores que aplicam em títulos públicos um retorno superior a 50%, sem paralelo no Planeta. Essa marca só não é recorde de todos os tempos, porque aqui mesmo no Brasil houve taxas de retorno mais altas, especialmente durante o tucanato.
As equipes econômicas do Tesouro e do Banco Central asseguraram, em 2002, rendimentos de mais de 80% aa. aos banqueiros e especuladores, quando os títulos indexados em dólar chegaram a constituir 40% do total da dívida interna, e o real sofreu desvalorização acima de 50%.
Controle de capitais e de câmbio
Os economistas orgânicos ou fisiológicos consideram tudo isso natural, mas, ao contrário do que proclama o pensamento movido a dinheiro, não é possível haver desenvolvimento econômico nem social, enquanto o País, colonizadamente, se render aos ditames da globalização e mantiver livre o fluxo internacional de capitais e o câmbio flutuante.
Sem controle de capitais e cambial, não há como sobreviverem as empresas nacionais nem os empregos dos brasileiros.
Radicalização colonial
Tenho más notícias para quem imagina ver alguma chance de preservação do País sob o atual sistema político. Por meio desta expressão, não me refiro apenas ao atual governo, mas a todo o sistema, que inclui as forças econômicas por trás dele e todo o conjunto dos partidos grandes e médios (em tamanho), sejam eles de oposição ao governo ou dele aliados, sem falar nos que nunca saíram da situação.
Que está acontecendo?
O mesmo de sempre, só que se aprofundando. O controle da economia está cada vez mais concentrado sob comando estrangeiro. Desse modo, os bancos e empresas transnacionais pouco precisam gastar em propinas para prosseguir com a predação sobre a economia nacional e levá-la a extremos inconcebíveis.
Basta-lhes pressionar os “eleitos” e demais detentores de poder político local, brandindo ameaças econômicas, políticas e financeiras, bem como permitir que esses detentores se locupletem com os recursos dos contribuintes.
Isso, como está evidenciado, se faz arrumando as licitações em favor de empresas que sobrefaturam fornecimentos e serviços, as quais repassam aos administradores públicos uma parcela da diferença entre os preços e os custos. Tais administradores transferem uma parte dessa parcela a parlamentares. Fraudes nas licitações, mensalões, etc.
Por que se desencadeou a atual onda de escândalos e investigações, se estava tudo funcionando às mil maravilhas para, entre outros donos do sistema, os beneficiários dos R$ 260 bilhões de juros extorquidos por ano no País, a saber, juros em excesso aos que resultariam de taxas toleráveis?
Há indicações de reações nos EUA diante do fato de uns poucos setores da atual administração no Brasil procurarem resistir aos draconianos abusos do escritório de patentes dos EUA, em matéria de propriedade industrial. Há, ademais, posições de política externa mal vistas pelos radical-imperialistas em Washington. Nos oito fatídicos anos da administração de FH, praticamente não houve bolsões de resistência, e foi grandemente acelerada a destruição das estruturas do Poder Nacional brasileiro.
Isso quer dizer que um retorno à monolítica linha tucana de submissão colonial constitui uma perspectiva agradável para a política imperial. Ademais, o presente governo se mostra, em geral, inepto e desastrado, o que oferece oportunidade de enfraquecê-lo e, assim, desmontar as últimas resistências localizadas.
Nada disso significa, porém, que o PT mereça ser defendido. Porém, não menos danoso que continuar sob o reinado petista é beneficiar seus principais competidores e até mesmo seus aliados, agora mais aquinhoados na administração, graças à implosão do PT.
Dessa implosão os propulsores da arremetida antipetista só estão querendo poupar o ocupante do Palácio do Planalto, que percebem ser mais maleável que o vice-presidente às imposições do sistema.
A meta colonial: destroçar o País
Parece clara, acima de tudo, a diretriz da política imperial de pôr o Brasil definitivamente na condição de colonizado. Diante do estupendo potencial de nosso País, isso faz muito sentido para potências empenhadas em acentuar sua hegemonia.
Para a execução dessa diretriz não há instrumentos melhores do que os ministérios da área econômica e o Banco Central, atuando do modo que têm feito até aqui, sem falar no assalto à Petrobrás e na ruinosa política oficial nas áreas da energia e do meio-ambiente.
Como a aplicação de tais instrumentos tem dado resultados ótimos para a meta de destroçar e de desagregar o País, os controladores do sistema de poder julgam que essa aplicação deve ser intensificada. É nesse quadro que, enquanto um tsunami ou tsulama devasta tantos dirigentes do PT, alguns deles são glorificados pela mídia e pelos que a movem.
Exatamente o ministro da fazenda e a atual chefe da Casa Civil, substituta do indigitado José Dirceu, credenciada por ser fiel continuadora na área da energia do desastre produzido pelo PSDB.
O conto do déficit zero para baixar juros
Entra nesse contexto, a nova suposta panacéia dos que buscam saídas dentro de um modelo político-econômico que não comporta qualquer alternativa para o Brasil que não a sua destruição.
É a estória do déficit orçamentário zero, na versão Delfim Neto, meta que só poderá acelerar o descalabro, sendo buscada sem antes reduzir-se substancialmente o serviço da dívida pública (juros e amortizações).
De resto, mesmo que se cortasse pela metade o kafkiano serviço dessa mais que questionável dívida, a política de déficit zero ainda permaneceria deletéria para a economia do País. Ela o é para qualquer Estado cujos dirigentes assumam a função de promover o desenvolvimento econômico e social.
Adriano Benayon é Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, pela Editora Escrituras.
0 Commentários:
Postar um comentário
Voltar à pagina principal